Nas chamas dos finais dos tempos, nos consumiremos
Por Tállison Ferreira, poeta, escritor e filósofo. Graduado em Filosofia (FAHS), Especialista em História e Cultura Afro-brasileira e Indígena (UNINTER), Mestre em Educação (UFRN) e Editor Colaborador do Observatório da Várzea.
Vovó Maria dizia: “o primeiro mundo terminou sob água, este será sob fogo”.
Vovó prenunciava, mesmo sem o domínio do saber científico, que chegaríamos a temperaturas bastante elevadas. Hoje, compreendo a lição daquela senhora de cabelos brancos.
Quando ouvia vovó falar daquele jeito, incisivo e triste, ao mesmo tempo, eu imaginava: Deus irá se revoltar e destruir tudo com fogo, entretanto não era bem essa a mensagem transmitida por ela.
Estima-se que 2023, terrivelmente, será o ano mais quente. Segundo a CNN Brasil:
Os cientistas não medem as palavras: “extraordinário”, “terrível” e “território desconhecido” são apenas algumas das maneiras usadas para descrever o recente aumento da temperatura global (2023).
Cada vez mais avançamos, em nome de um falso progresso, para o fogo eterno, e Deus não tem nada com isso.
Diversos são os fatores e nós que nos responsabilizemos pelos desmantelamentos sociais, políticos, econômicos, ambientais, etc., afinal de contas, o nosso modo de viver e a nossa relação com as outras formas de vida têm contribuído para que tenhamos o planeta que temos – “pegando fogo”.
Entre as principais atividades humanas que causam o aquecimento global e consequentemente as mudanças climáticas: a queima de combustíveis fósseis (derivados do petróleo, carvão mineral e gás natural) para geração de energia; atividades industriais e transportes; conversão do uso do solo; agropecuária; descarte de resíduos sólidos (lixo) e desmatamento. Todas essas atividades emitem grande quantidade de CO² e de gases formadores do efeito estufa (Rede WWF).
Não se trata de algo natural apenas, mas de uma postura humana descomprometida com o meio ambiente em que tudo é visto sob a ótica de uma “civilização” que mata para sobreviver. O problema é que estamos matando o que nos mantêm vivos – a Terra.
Fazemos isso em nome do lucro e do poder, afinal ter dinheiro é uma questão não só de status, mas também de poder. Quem tem mais, pode mais, ostenta mais, nem que isso esteja correlacionando diretamente ao consumo desenfreado e à matança de vidas em suas diversas manifestações.
A fogueira foi acesa e só se amplia. Quais são as lenhas que fomentam esse fogo?
· “CONSUMO, LOGO EXISTO”;
· “MAIS EMPREGO, MAIS GERAÇÃO DE RENDA”;
· “O PROGRESSO ESTÁ AQUI”;
· “O AGRO É POP, O AGRO É TECH”;
· “NA MINHA EMPRESA, TUDO É SUSTENTÁVEL”;
· “A ENERGIA SOLAR, EÓLICA… SERÃO A NOSSA SALVAÇÃO”…
Não nos esqueçamos: nos alimentamos da Mãe Terra. Cuidemos para que ela não nos deixe órfãos (KRENAK, 2019), embora já esteja. Nem tudo o que se apresenta como bom o é de fato. Análise crítica nunca é demais. O sentido de pertença ao meio é tão necessário quanto o sentimento de amor ao próximo.
O QUE NOS SALVARÁ DAS CHAMAS DOS FINAIS DOS TEMPOS?
Uma das alternativas passa pela via de uma “economia solidária”. Inclusive o Papa Francisco tem batido nessa tecla. Essa tecla é importante, porque no mundo atual tudo gira em torno da economia, infelizmente ou felizmente. Desse modo, é preciso construir estratégias mais inteligentes de sobrevivências. Não é tão simples, porque exige um trabalho educativo de base, que estimule empatia, partilha, doação, cooperação e investimento. Essa prática requer também uma tomada de consciência que leve o indivíduo a mudar sua postura egoísta e individualista para outra mais humana e altruísta.
Associado a isso, o ser humano tem que se dar conta da sua existência conjugada ao todo. Deve se mover por uma “Ética da Ciranda” (SILVA, 2022), ou seja, um movimento circular no qual o outro, o diferente, não é o meu inimigo ou alguém que compete comigo, mas alguém que pode somar forças e, de mãos dadas, transforma a realidade onde está inserido. É um desafio, porém não é impossível.
No centro da ética da ciranda, o que está em jogo é a manutenção da vida em suas diversas manifestações.
FINALMENTE
Se não houver uma conversão política do pensamento, uma análise crítica da realidade, fomento à prática de relações solidárias e compromisso social, não será possível nos livrar dos males futuros; inclusive, das chamas dos finais dos tempos.
REFERÊNCIA
CNN Brasil. Dizem que 2023 pode ser ano mais quente já registrado. Disponível em:
REDE WWF. As mudanças climáticas. Disponível em:
SILVA, Tállison Ferreira da. Poemas, Contos e Aforismos. Natal/RN, Editora Offset, 2022.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo.São Paulo/SP, Editora: Companhia das Letras, 2019.
1 Comentário
Anônimo
Viver em um planeta com recursos finitos, em que seus habitantes (cegos e ignorantes), acreditam que vamos viver em um “progresso” infinito. A conta não fecha. Já vivemos o caos!