27 Jul 2024 Ellipse ATUALIZADO 04:58

Publicado

11/09/2022

Atualizado

31/01/2024
Publicação

VERSOS BRANCOS, FILOSOFIA E ESPERANÇAR

Por Pedro Henrique, poeta e escritor. Bacharel em Direito (UERN), Especialista em Direito Digital (Faculdade Verbo), mestrando em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN) e Editor-Colaborador do Observatório da Várzea.

Ontem, 10/09, o Vale do Açu e, especialmente, o Observatório da Várzea, estiveram bem representados na capital potiguar. Refiro-me ao lançamento do livro “Poemas, Contos e Aforismos”, do nosso colaborador Tállison Ferreira, que ocorreu na Estação do Cordel, no bairro Cidade Alta, nas imediações da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação (Catedral Antiga). Coincidência ou não, o lançamento dividiu atenções com uma ação da Igreja Católica junto a pessoas em situação de vulnerabilidade social, na Praça Padre João Maria, com distribuição de alimentos. Talvez um sinal divino e, conhecendo Tállison, um homem de fé e esperança, penso que os momentos se entrelaçaram, numa verdadeira “ética da ciranda em função da manutenção da vida”, em que poesia, engajamento e solidariedade se unem na construção de “um mundo mais humanizado”.

Dizendo-se um poeta dos versos brancos, livres das métricas, é curioso o seu lançamento ser justamente numa confraria da literatura de cordel, que marcadamente assume as rimas estruturadas, e que ressalta a nossa cultura popular e regional, o que aliás é muito presente na poesia “Tállisoniana”. Acredito que o poeta nos mostra a potencialidade e dinamismo de sua estilística, que transita entre os gêneros, mas, que repousa exatamente na contemplação, na consciência criante, no poder da imaginação, pois “o homem sábio cuida e preserva a sua criança interior”. Assim, arte, criticidade e reflexão, mesclam a verve do poeta, que também percorre os bosques da filosofia.

Ao ler a obra, que adianto, está belíssima, alguns poemas me saltaram aos olhos, são eles: “A caminho do rio piranhas-açu”, “Tia Nem”, “Forró” e “Estranho”. Acredito que na vida, quem vive a arte, percorre um caminho de retorno à sua criança, às imagens submersas na memória, o que o poeta nos mostra com riqueza de detalhes: “Enquanto percorria o caminho até o rio Piranhas-açu, na travessia do tempo, eu vi catingueira florir. Colhi flor de velame. Avistei xique-xique, macambira, jurema, e a carnaubeira. Senti saudades.” O que também o fez ao nos transportar aos forrobodós com “comadre Sebastiana”, por meio da dança que é um movimento do corpo, mas também de alma.

Em “Tia Nem”, sentado à beira de um fogão a lenha, na comunidade de Fazenda Nova, imagens originais me fizeram lembrar das minhas conversas nas cozinhas de Dona Maria de Otília, de minha avó Francisca ou até mesmo na calçada de minha bisavó Beatriz Capitão, em Nova Esperança, na nossa Várzea, sobre cascas, ervas, lambedores, e tudo o que caracteriza os saberes ancestrais, a sabedoria popular e uma medicina da floresta. Talvez como um grito que se insurge por entre as carnaúbas, pereiros, velames, juremas, e nos diz: não podemos deixar nossa cultura morrer.

Esse poeta “Estranho”, chegado à cigarros e cachimbos esporádicos, que está aberto às atrações proibidas, me fez lembrar Clarice Lispector, dizendo gostar de tomar banho no escuro, já que se permite ser também “o escuro da noite”, a dançar com as sombras e enxergar sem luz, usando os olhos da alma e imaginação. Esperançosa, angelical e demoníaca, a sua arte nos incita a correr em busca da felicidade, que está lá onde soubermos ser. Só não vale ter medo!

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